Sidnei França - Carnavalesco da Mocidade Alegre

20-05-2011 00:52

Uma das novidades para a cobertura do Carnaval 2012 será um novo formato de entrevistas. Nossa equipe de produção irá contemplar você amigo internauta com entrevistas exclusivas aqui no site oficial do nosso programa. Você que está acostumado com a voz e a imagem que o primeiro programa de tv via internet do carnaval brasileiro apresentou nestes quase quatro anos de veiculação na JustTV, acompanhará a partir de hoje uma série de entrevistas especiais com convidados ilustres em um estilo diferenciado.O objetivo é trazer para o nosso portal, a extensão das edições no estúdio, na qual em razão da falta de tempo, os convidados não conseguem se aprofundar da maneira como gostariam sobre os assuntos e questões elaboradas por nossos webtelespectadores.Trata-se de mais um canal de comunicação e divulgação entre os amantes e apaixonados por este fantástico mundo do samba.Vamos sentir a emoção em cada resposta, aprender com as vivências aqui contadas e delirar no universo do fabuloso espetáculo dos desfiles das escolas de samba.

Nosso primeiro convidado, é um jovem talento do carnaval paulistano.Aproveitamos a oportunidade para agradecer o carinho e atenção a este amigo por participar deste novo quadro do Programa No Mundo do Samba.

Com vocês, uma entrevista especial com o carnavalesco Sidnei França da Escola de Samba Mocidade Alegre

  

1 – Sidnei, conte pra gente como foi o seu início no universo do carnaval antes de ser carnavalesco da Mocidade Alegre.

Nasci na Casa Verde Alta e desde muito pequeno acompanho os desfiles (Avenida Tiradentes e na Rua Zilda, onde a Unidos do Peruche desfilava para a comunidade na década de 80). Também desde pequeno freqüento a Mocidade Alegre, pois minha mãe já desfilou na escola, juntamente com seus primos e amigos de infância. Sendo assim, a minha ligação com o carnaval e, conseqüentemente, com a Morada do Samba foi muito natural. Após anos torcendo pela Escola e comparecendo aos ensaios, passei a desfilar na Ala Em Cima da Hora (uma das mais tradicionais da agremiação), sob influência de amigos de família. Isso na década de 90. Em 2003, após o falecimento da Elaine a escola passou a ser presidida pela Solange, que ao formar sua diretoria me convidou a compor a Comissão de Carnaval (equipe responsável pelo gerenciamento e supervisão dos desfiles) e, logo após, como diretor cultural. Na função de diretor cultural passei assessorar os antigos carnavalescos (primeiramente Nelson Ferreira e depois Zilkson Reis) nas pesquisas e desenvolvimento do enredo, redação da sinopse, montagem do desfile e argumentação para os jurados. Nesta função, auxiliei no desenvolvimento do enredo idealizado pela Elaine (que veio a falecer no processo de construção do desfile de 2004) sobre os 450 anos da cidade de São Paulo e assinei/desenvolvi do início ao fim todos os enredos da Escola de 2005 até hoje. Vivendo esta rotina de barracão e assessoria aos ex-carnavalescos aprendi muita coisa sobre criação e projeto de alegorias e fantasias. Quando o ex-carnavalesco (Zilkson Reis) se desligou da agremiação, após o Carnaval 2008, a direção resolveu compor uma Comissão de Carnavalescos e fui convidado a integrar a nova equipe responsável pela criação e desenvolvimento dos desfiles da Mocidade Alegre. Inicialmente éramos quatro carnavalescos e após alterações no formato da equipe continuamos eu e o Márcio Gonçalves (em 2012 será o segundo carnaval nesta formação).

2 - Houve alguma influência de trabalho de algum carnavalesco em sua formação? Alguém que servisse de exemplo, espelho ou inspiração?

O carnaval paulistano até hoje sofre de uma carência de estilos no que tange ao trabalho dos carnavalescos. Esta deficiência, acredito eu, deve-se ao fato das escolas paulistanas sempre terem grandes limitações financeiras (o que impede os carnavalescos de fazer o que querem, fazendo apenas o que conseguem). Mesmo com esta pouca tradição de estilos impressos nos desfiles paulistanos, procuro sempre conceber desfiles de leitura fácil, arrojo nas formas e limpeza visual. Tais características vejo como reflexo da minha admiração e respeito por aquele que considero o melhor carnavalesco da atualidade: Renato Lage.

3 - O que você mais pensa quando está elaborando um enredo? Na receptividade junto ao público, na satisfação de desenvolvimento pessoal, no jurado ou assuntos que gostaria de compartilhar com as comunidades das escolas de samba, telespectadores e outras pessoas?

Quando estou elaborando um enredo penso com mais ênfase na melhor maneira de imprimir a identidade, a força e a energia da Mocidade Alegre, que é uma escola tradicional e arrojada ao mesmo tempo. Mentalizo a reação das pessoas da escola no momento do anúncio e também procuro orgulhar aqueles que defendem as cores da agremiação. Em resumo, procuro sempre olhar para dentro da Mocidade Alegre e colocá-la em posição de evidência e altivez com o enredo apresentado.

4 – Qual a melhor e a pior coisa na função de carnavalesco de uma escola de samba?

A melhor coisa em ser carnavalesco é a sensação de que a sua criação é defendida por uma grande família durante todo um ano. É uma sensação muito louca ver algo que você criou virar música, visual e cênica. Embalar os sonhos de toda uma comunidade. A pior coisa é saber que muitas de suas idéias podem não se tornar realidade por falta de verba ou limitações estruturais da escola e/ou do sambódromo.

5 - O que você pode nos falar sobre a estética de fantasias e alegorias no carnaval de SP hoje?

De uma maneira bastante generalizada vejo o visual das escolas de samba paulistanas como regulares (já foi muito ruim), pois na maioria das vezes temos carros grandiosos com acabamentos que deixam a desejar. Uma ou outra escola sabe dosar grandiosidade e beleza. Eu, particularmente, prefiro carros menores, pois se o acabamento for bom valoriza o cenário e se for ruim compromete pouco o conjunto do desfile. Também me incomoda o péssimo uso das cores. E poucas escolas/carnavalescos apresentam uma paleta de cores interessante e integrada a proposta do enredo, valorizando a cênica do desfile e em consonância com a identidade da escola.

6 – De um modo geral, o que você acha do nível dos desfiles atualmente?

De uma forma geral acho que o nível dos desfiles aumenta a cada ano, seja com a constante melhora na estrutura da pista de desfiles, seja no ganho de estrutura e aporte financeiro das escolas, que conseguem cada vez mais obter o apoio da iniciativa privada através de leis de incentivo, patrocínios de enredo e até mesmo patrocínio avulso, o que não acontecia até bem pouco tempo atrás.

7 - Se sente satisfeito com a divulgação ao longo do ano do trabalho das escolas e com a transmissão feita pela TV?

Vejo que a cobertura do pré-carnaval passa por melhoras a cada ano, mas não vejo esta mesma evolução na transmissão dos desfiles. Não tenho condições de apontar se a falha é da imprensa, que deveria se envolver mais com a produção dos desfiles ou das escolas, que deveriam entregar mais e melhores informações a imprensa. Mas independente de onde esteja a falha, o fundamental é haver aproximação entre quem produz e quem divulga, para que cada lado conheça a estrutura e perfil do outro, e tenhamos uma divulgação a altura do carnaval paulistano.

8 - Qual a sua opinião sobre reedição de enredos?

Na minha opinião, a Liga poderia liberar para um único ano e em caráter opcional (somente quem quiser reedita). Neste único ano teríamos certo frisson e ar de novidade no cenário paulistano.

9 - O que você acha da mudança no formato do jurado dar a nota. Segundo o presidente Serginho da LIGA, existe grande possibilidade das notas serem fracionadas no formato 9.9, 9.8 como acontecem no carnaval carioca, já no próximo carnaval aqui em SP. Qual a sua opinião?

Somente considerarei este modelo de notas fracionadas um avanço caso seja acompanhado de um sistema de parâmetro para atribuição de notas mais rigoroso e um processo profissional de recrutamento, seleção, treinamento e aperfeiçoamento de jurados. Caso não haja um cuidado nisso, o 9,9 será o 9,75... o 9,8 será o 9,50... o 9,7 será o 9,25 e assim sucessivamente... Caso seja assim nada mudará na prática.

10 - Conte pra gente como foi sua trajetória na Mocidade Alegre e revele o momento de maior alegria e também o de maior tristeza nesta trajetória.

Sempre procurei seguir os exemplos e honrar os ensinamentos daqueles que tive como referência na Mocidade Alegre. Na fase de amante e voluntário procurei realizar um trabalho sério, onde a minha marca fosse a paixão desinteressada, pois sempre entendi que ninguém foi me buscar em casa e muito menos me obrigava a nada. Já na fase profissional, procuro manter a seriedade no padrão do trabalho realizado, nunca me esquecendo do respeito que devo à paixão que a Escola desperta nas pessoas que dela fazem parte. O momento de maior alegria acredito que seja o campeonato de 2004, pela satisfação de fazer parte de uma geração que devolveu o orgulho e elevou a auto-estima de uma Escola grandiosa que andava adormecida. O momento mais triste foi o falecimento do Sr. Juarez da Cruz, a quem sempre respeitei e aprendi muito sobre o sentido de ser sambista.

11 - Qual o seu carnaval inesquecível? Conte pra gente os motivos da escolha.

Como eu disse acima, o meu carnaval inesquecível foi 2004, pelo resgate do orgulho moradense ao levantar a taça de campeã após 24 anos.

12 – Como é trabalhar na Mocidade Alegre. Por ser uma escola tradicional e que sempre está entre as primeiras colocadas do carnaval paulistano, existe hoje uma pressão interna maior em relação às co-irmãs?

Trabalhar na Mocidade Alegre é bastante prazeroso, pois a comunidade é bastante presente, se envolve em tudo o que for necessário e respeita o meu trabalho. Quanto a direção, sempre aceita minhas idéias e faz de tudo para que 100% do que projetei vá para a avenida, o que me dá muita tranqüilidade e satisfação. Difícil seria se eu tivesse um perfil inventivo e a direção não tivesse a vaidade de ver a escola brilhar na avenida. Sou perfeccionista e me cobro demais, de maneira que essa pressão citada na pergunta é mais minha. Não me sinto pressionado pelo fato de ter que manter um padrão de colocações, pois temos um time muito equilibrado e o resultado é força do conjunto da agremiação, e não de um só profissional. Quanto haver mais pressão do que em relação às co-irmãs não tenho como dizer, pois nunca vivi o ambiente de nenhuma outra escola de samba. Mas se for como na Mocidade, os demais carnavalescos não tem do que reclamar.

13 - A Mocidade Alegre vem sendo considerada por muitos sambistas e por boa parte da imprensa como a escola mais aguardada nos últimos carnavais. Isso é bom ou ruim? Atrapalha ou ajuda? Existe uma “ciumeira” por parte das outras agremiações?

Se analisarmos a história do carnaval paulistano constataremos que a cada momento uma agremiação centralizou as atenções e tornou-se referência por um motivo isolado ou pelo conjunto do desfile que apresentou. Foi assim com a própria Mocidade Alegre no início da década de 70, quando imprimiu um estilo de desfile até então inédito em São Paulo, com enredos muito bem elaborados e visual arrojado para a época. Chegando no especial com um tricampeonato (71/72/73). Já no século XXI, tornou-se uma Escola aguardada devido aos pequenos diferenciais que apresenta em seus desfiles, envolvendo o público com uma energia e emoção muito próprias das pessoas que fazem parte da comunidade. Considero essa expectativa aqui citada algo bom, pois faz com que a Escola, como um todo, desde a presidente até o mais descompromissado folião, desenvolvam uma consciência de que cada um deve fazer o seu melhor em respeito ao público que não espera nada aquém do que foi mostrado no ano anterior. Ou seja, a expectativa do público faz com que não queiramos decepcionar e nos dediquemos cada vez mais a realizar um belo desfile. Quanto a “ciumeira” citada por você, eu não percebo, até porque vivo muito pouco o ambiente sambístico fora da Mocidade Alegre e os muitos amigos que tenho em outras agremiações não me passam esta impressão. De qualquer maneira, caso haja esse sentimento, vejo como natural, pois ninguém fica indiferente ao que faz sucesso. Mas o aspecto central disso é o fato de que entre nós do samba pode até haver rivalidade (o que é natural), mas que aos olhos do mundo sejamos exemplo de união, respeito, perseverança e, acima de tudo, brasilidade... Pois representamos o que de melhor esse país já produziu.

14 - Muitos consideram impossível fazer um carnaval de bom nível no Grupo Especial sem patrocínio. A Mocidade, mesmo sem patrocínios oficiais, vem provando o contrário. Qual o segredo?

Realmente é muito difícil fazer um carnaval impactante com verba reduzida. Por isso, dois ingredientes são fundamentais: captação de parcerias que viabilizem custos mais elevados na utilização de materiais e tecnologias mais sofisticados e também uma administração responsável dos recursos disponíveis. Em resumo, não adianta ter verba se o uso dela não for racional. A Mocidade Alegre não tem patrocínios, mas a credibilidade junto ao poder público e a iniciativa privada facilita bastante, e soma-se a isso uma administração que tem os pés no chão e busca fazer o melhor uso possível dos recursos que dispõe, evitando desperdício e investindo no que realmente funciona e aparece.

15 - O que achou da forma que a Mocidade foi julgada em 2011?

De uma maneira geral a Mocidade Alegre foi julgada de forma correta no Carnaval 2011. Houve equívocos pontuais nas análises de alguns jurados (um de enredo disse que o carro 4 fechou o desfile, quando na verdade ele nem entrou na pista... outro de enredo disse que com a ausência do quarto carro houve inversão de alas, o que não aconteceu... um de casal disse que o mestre sala não girou no próprio eixo o suficiente, o que não se deve cobrar de um mestre-sala... e um jurado de samba enredo não se baseou claramente nos critérios de julgamento, transparecendo em sua justificativa forte inclinação pelo julgamento baseado no gosto pessoal). Porém, nenhum desses equívocos contribuiu decisivamente para a colocação da Escola neste carnaval.

16 - Qual quesito considera a cara da escola hoje?

Não vejo um quesito que hoje seja a cara da Mocidade Alegre, e isso considero muito bom. A força da escola vem justamente do equilíbrio de forças entre todos os quesitos. Temos enredos bem elaborados e desenvolvidos... Fantasias que podem não ser o extremo do luxo, mas retratam com eficiência a proposta do enredo... Alegorias que cumprem muito bem a função de ilustrar o tema e servir de cênica ao desfile... Sambas bem construídos e interpretados... Bateria muito boa... Comissão de frente entrosada e de muita expressão... Harmonia e evolução sempre vigorosas... Um casal de mestre-sala e porta-bandeira que dispensa comentários... Diante desse equilíbrio percebe-se que a Mocidade Alegre tem um conjunto muito bom.

17 – Mudando um pouco de assunto, qual sua opinião sobre o estilo “Paulo Barros” de fazer carnaval?

Considero o estilo Paulo Barros perfeito para o que ele propõe, que é um desfile interativo e impactante, valorizando o espetáculo e saciando a sede de novidade que o público atual cobra. Porém, não vejo como tendência obrigatória no perfil dos desfiles atuais, mas sim como mais uma nova forma de se produzir um carnaval criativo. Resumindo, o estilo “Paulo Barros” veio para enriquecer o repertório de estilos e não para dizer que somente desta forma se verá o carnaval daqui em diante. Eu, particularmente, prefiro o estilo “clean” de Renato Lage, mas adoro ver os desfiles cheios de surpresas e transformações do Paulo. Carnaval é isso, convergência de estilos, onde quem ganha é o espetáculo. Temos espaço para todos! 

18 – Conte pra gente alguns detalhes do enredo que a Mocidade levará para a avenida em 2012? Qual o título do enredo e como será a abordagem?

No Carnaval 2012, a Mocidade Alegre apresentará o enredo “Ojuobá – No Céu, os Olhos do Rei... Na Terra, a Morada dos Milagres... No Coração, Um Obá Muito Amado”.

O enredo, de estilos afro e literário, é baseado no livro “Tenda dos Milagres”, uma das mais conhecidas obras do escritor Jorge Amado, que completaria cem anos de vida em 2012.

19 – Em relação há anos anteriores, o que você pode antecipar como novidade para o próximo desfile?

Ainda é muito cedo para falar em novidades para o próximo carnaval, mas certamente teremos algumas para mostrar. Ainda mais por tratar-se de um tema afro, as pessoas tendem a esperar um visual rústico e mostraremos muitas soluções plásticas que enriquecerão esta linhagem de enredos, dando um ar ancestral e moderno ao mesmo tempo, pois assim é a Mocidade Alegre, tradicional e arrojada, um perfeito exemplo de preservação das raízes com os olhos no futuro.

20 – Deixe uma mensagem para os internautas do Programa No Mundo do Samba e para a comunidade da Mocidade Alegre que nos acompanham neste momento.

Aos internautas em geral deixo o meu eterno agradecimento pelos e-mails e mensagens que recebo através das redes sociais, o que demonstra que a internet veio para consolidar a nossa paixão pela cultura do samba e do carnaval, aproximando os apaixonados pelos desfiles das escolas... Isso é muito bom, pois me lembro que quando eu era criança não havia ferramentas que me aproximavam dessa cultura fantástica que sempre admirei e amei. Portanto, celebremos este meio de comunicação revolucionário que possibilitou este sucesso chamado Programa No Mundo do Samba!

Aos integrantes da família Mocidade Alegre deixo toda a gratidão por me apoiar e respeitar sempre, por acreditar em cada enredo, cada desfile e cada idéia proposta por mim. Saibam que jamais deixarei de amar nosso pavilhão e que tudo o que eu faço é pensando em orgulhar a vocês, que sempre fazem toda a diferença... E que em 2012 façamos mais um desfile digno das nossas tradições e da nossa identidade arrojada, irreverente e de energia super positiva... Rumo a mais um carnaval, com a força dos orixás e sob os olhos vigilantes de Xangô... Axé!